Minha mãe está com começo de depressão.
Aparentemente, não é de hoje. Foram uma série de fatores que culminaram nisso.
Começou em 96, com aquela maldita crise do Real. A economia e o país viraram um caos, e o ramo que o meu pai atua foi um dos mais atingidos. Cansei de ver amigos e mais amigos dele quebrando.
Pra poder se virar, a gente teve que se adaptar de várias maneiras. De lá pra cá, meu pai perdeu um sobrado, 5 carros e dois apartamentos. Fora o prédio dele, que está alugado há mais de 10 anos, e o cara não paga o aluguel nem desocupa o espaço. Justiça? Valendo um sorvete de limão se alguém me provar que ela existe nesse país.
Pra uma pessoa que nunca viveu dessa maneira, é difícil se adaptar. Eu consegui, meus irmãos, novinhos, nem notaram, meu pai se virou e ainda se vira como pode. Mas pra minha mãe foi difícil. Não que ela fosse madame, pelo contrário. Ela sempre foi até mais comedida do que o meu pai. Porém enquanto meu pai crescia com a mãe dele vendendo Avon de porta em porta pra pagar o aluguel, meu avô comprava carros à vista e era o padeiro mais requisitado do Pacaembu.
E não foi só naquela época não. Lá em casa - assim como em tantas outras - a coisa continua feia.
O fato deu ter saído do armário -
ou de ter sido puxado pra fora dele, whatever - também não foi fácil. Mais uma vez, meu pai soube lidar até que de uma maneira mais fácil (não que ele entenda e aceite) do que a minha mãe.
Coisinhas chatas do dia a dia, perdas na família, briguinhas.
Esse tipo de problemas acontecem com muita gente, e não é nenhum big deal. Se cair o meu mundo em casa, por pior que eu fique, eu ainda vou trabalhar, eu vou pra faculdade, eu saio com meus amigos.
Meu pai trabalha, vai jogar o futebol dele, vai nas reuniões da maçonaria... a minha irmã já está se encaminhando na vida dela, o Pedro também.
Todo mundo sai de casa e pode espairecer. E a dona Marisa ?!
Fica lá... remoendo o problema do filho que é gay, do marido que não tem grana, da escola das crianças que está atrasada, da empregada que não foi, do banheiro que está bagunçado. E ao invés de dividir isso com alguém, ela prefere guardar com ela. Uma vez ou outra, ela se permite à um desabafo num caderno.
Até ela explodir. Até a pressão dela chegar nas alturas, até ela ter crises de choro com a médica, até ela passar à tomar remédio pra depressão.
Até precisar chegar nesse ponto para o resto da família perceber que o "
tudo bem" de todo dia pela manhã nada mais é do que uma resposta automática, e que não está nada bem.
O grande erro da minha mãe - alem de ser muito preocupada e encanada com tudo e achar que com isso ela resolve alguma coisa - foi ter parado de trabalhar quando eu nasci.
Foi na intenção de não largar a gente com babá, empregada ou avó. Na intenção de dar uma boa educação, de estar do nosso lado e acompanhar cada dia do nosso crescimento, e isso ela fez muito bem.
Acontece que com isso ela parou no tempo. Se desatualizou, e se acomodou em casa.
Ela nunca mais vai conseguir dar aula em nenhum lugar, pois ela é da época do estencil, dos trabalhos feitos em papel almaço e figuras xerocadas dos livros e coladas à mão. Não digo isso em tom pejorativo, e sim com dó.
E com um desespero muito grande de não saber o que fazer, não saber como ajudar, e com um medo muito grande de perdê-la.
A minha vida está passando, está lá fora me chamando e eu não posso perder o bonde. Eu tenho que conciliar a minha sede de viver a minha vida, de ser independente, com tudo isso que está acontecendo.
Acho que ela devia procurar alguma coisa, por mais difícil que seja receber um não bem bonito na sua cara. Mas alguma coisa que ocupe o tempo dela, alguma coisa com que ela se sinta bem e útil, e possa espairecer. Que faça com que a gente chegue em casa e ela esteja doida de vontade de contar pra gente sobre como foi o dia dela.
Eu só espero que ela consiga isso antes que seja tarde...